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Recife: A luta popular por uma cidade melhor

Artigo de Circe Monteiro e Luiz Carvalho, publicado na Revista Architectural Design – “Brazil: Reestructuring the Urban”

ANO
2016

RESUMO
Às vezes chamada de Veneza brasileira, a cidade do Recife está situada em uma série de ilhas, articuladas por vias navegáveis, na costa Nordeste do país. A nona maior cidade do Brasil, tem um núcleo histórico, mas também compartilha muitos desafios urbanos comuns a outras metrópoles brasileiras: uma praia cercada por um desenvolvimento especulativo, uma área portuária semi-abandonada e extensas zonas de bairros pobres. Os arquitetos e acadêmicos Circe Monteiro e Luiz Carvalho, do grupo de pesquisa multidisciplinar INCITI, da Universidade Federal de Pernambuco, descrevem aqui por que, apesar de uma história de desenvolvimento inconsistente, este poderia ser o momento de Recife para se transformar à medida que a agenda urbana fica em evidência.

PALAVRAS-CHAVE
Parque Capibaribe, Transformação, Participação Social, Participativo, Inclusão, Sociedade Civil

Confira o artigo na íntegra.

“Ideal será não precisar usar a palavra acessibilidade”

Historicamente, as bandeiras em prol da cidadania, da isonomia e da inclusão na sociedade precisam ser levantadas muitas vezes. E serão defendidas tantas vezes quantas forem necessárias a fim de que alcancem seus respectivos objetivos. Uma vez alcançados, deverão ser tão introjetados no cotidiano a ponto que já não seja necessário chamar atenção para estes quesitos. Por isso, no encontro Parque Inclusivo, realizado nesta quarta-feira (8), no Cais do Sertão, pelo projeto Parque Capibaribe, uma das falas de destaque foram da arquiteta e urbanista Tâmara Ribeiro, quando destacou que “o ideal será quando não mais precisarmos usar a palavra acessibilidade”.

Mas como ainda estamos no processo de busca desse ideal, e justamente por isto, o Parque Capibaribe – projeto desenvolvido pelo INCITI, grupo de pesquisa e Inovação para a Cidades da Universidade Federal de Pernambuco em convênio com a Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade – promoveu um encontro aberto ao público para tratar sobre a acessibilidade da iniciativa, que irá impactar 42 bairros do Recife por meio da qualificação de acesso e fruição da cidade, a partir das bordas do Rio Capibaribe.

O evento, que contou com tradução em Libras (Língua Brasileira de Sinais) e audiodescrição da COM Acessibilidade Comunicacional, teve a mesa formada pelo diretor do INCITI, Luiz Vieira, pelo consultor de acessibilidade da Secretaria de Turismo do Recife e deficiente visual, Manuel Aguiar, a diretora do Instituto de Gestão (ITGN), Fátima Brainer, e os gestores do Cais do Sertão, Gilberto Freire Filho e Maria Rosa.

Brainer foi uma das primeiras a falar e destacou a necessidade de se observar no cotidiano a coerência entre discurso politicamente correto e prática. “O que incomoda é que ninguém se vê no lugar do outro. É preciso olhar para as diferenças para buscar a inclusão. E os espaços de cultura e lazer são lugares onde deve ser possível fazer a inclusão social. E inclusão não é tolerância. Inclusão é acolher”, falou a gestora.

Luiz Vieira apresentou o projeto do Parque Capibaribe, por meio do qual procura-se criar um fluxo entre instituições culturais e de ensino, pontos históricos, culturais e naturais da cidade, tudo isso permeado por outros acessos ao Rio Capibaribe, de modo a favorecer um novo olhar das pessoas para com o curso fluvial. “Estamos prevendo pisos, mapas e maquetes táteis, para a circulação de pessoas com deficiência, rampas suaves para facilitar o trânsito de idosos e portadores de deficiências motoras, jardins sensoriais, equipamentos para ciranças com deficiência”, explicou Luiz.

Tâmara Ribeiro, que integra a equipe responsável por pensar a acessibilidade do Parque Capibaribe, complementou a fala do diretor do INCITI. “Temos usado o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a Norma Brasileira de Acessibilidade a Edificações, Mobiliário, Espaços e Equipamentos Urbanos e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Queremos evitar erros que temos visto na cidade, desenhando um parque intuitivo e acessível para diversas pessoas”, pontuou.

Na plateia, pessoas com deficiência visual, auditiva, motora e intelectual sugeriram algumas modificações no projeto, visando garantir o melhor aproveitamento do Parque, tais como pensar rotas acessíveis desde a parada de ônibus até a beira do rio, mesas adequadas para acoplar cadeiras de rodas e cuidado com a aplicação e dimensão dos pisos táteis. O público cobrou ainda mais iniciativas como esta, que envolva as pessoas afetadas por condições limitantes e que poderão realmente representar suas necessidades.

Ao final, Luiz Vieira convidou os presentes a colaborarem na melhoria do projeto e também a mobilizarem outros interessados no tema para os próximos debates. O encerramento ficou por conta de Manuel Aguiar, que também incentivou a realização de outros encontros: “Só com a convivência é que aprenderemos a lidar com a pluralidade que somos em sociedade”.

Para complementar a discussão, leia o texto de Tâmara Ribeiro: Parque Capibaribe, um lugar para incluir 

Parque Capibaribe, um lugar para incluir

O Projeto Parque Capibaribe desperta para as questões da acessibilidade com olhar holístico. Nesta visão completa, foi possível conectar espaços de diferentes atividades e modais, integrar os usos e gerar passeios intuitivos de maneira segura, onde, pessoas cegas e crianças podem dividir os percursos com ciclistas, por exemplo.

Muito além do que estabelece as legislações, a concepção do Projeto traz a preocupação com as crianças, as pessoas com deficiência e com os idosos, que são os grupos sociais mais vulneráveis num organismo complexo que é a cidade. Com o intuito de implantar soluções efetivamente acessíveis e de modo a se desfazer do estigma de que o desenho urbano para pessoa com deficiência tem o traçado rígido, enfadonho e excludente, o Projeto gera espaços interseccionais e fluidos onde é possível a convivência entre todas as pessoas que podem desfrutar da paisagem, do som das águas e animais que habitam o rio em espaços aprazíveis.

Em alguns momentos onde a cidade já está consolidada houve a necessidade de fazer adaptações no traçado urbano que garantissem os acessos de pessoas com deficiência, isso reitera as particularidades de cada lugar. Para os trechos onde o Parque se radica com novas rotas de ciclovias e passeios integrando parques e praças, a consciência dos conceitos de acessibilidade deixam de ser projetos complementares e tornam-se partido arquitetônico também.

Tão vasta a significância de um projeto acessível que os conceitos se espalharam por todos os setores de pesquisa do projeto, desde o mobiliário que está consolidado em princípios do desenho universal até os serviços ofertados ao longo do Parque Capibaribe que tem a inovação como meta, o plano é implantar o uso de tecnologias assistivas que agregam valor às informações de acessibilidade e flexibilizam o uso dos espaços. Para um projeto que traz a integração da cidade com a natureza como uma máxima em ideal, não poderia ser diferente para o que se presta na consciência de projetar espaços preparados para unir pessoas com capacidades diversificadas.